Foto por Junio Santos - XXVI Escambo Livre de Rua em Fortaleza-CE,2010
"Tantas vezes duvidei quando achava estar certo, talvez tenha sido por isso que a confiança me apunhalou pelas costas como um assassino impiedoso agindo para obter sua recompensa. Abalada minhas estruturas, tive que me recolher e esperar dolorosamente o fim do dia para que vós escuteis meus lamentos agonizantes antes que meu coração parasse de bombear sangue para o resto de matéria que ainda não estava infectada pelo mais poderoso inimigo, quando não se sabe usá-lo. Foi aí que eu senti a última gota de sangue pingar de minhas artérias exaustas e frágeis de lutar. Então comecei a me remoer de dores com falência múltiplas dos órgãos. Primeiro foram meus rins, comecei a sentir meu corpo se contrair por desidratação como se meu interior quisesse engolir o resto vivo externo; Em seguida me deparei com diversas punhaladas nas costas, como se uma águia com suas garras afiadas fosse perfurando lentamente, rasgando minha carne e cada vez mais se aprofundando, com isso tentava inspirar algum oxigênio ao meu redor, mas parecia que o gás não tinha mais serventia para mim, então fiquei agonizando e tentando reagir com impulsos sufocantes, e só ali percebi que meus pulmões não mais funcionavam. Por último tive uma sensação de que todos os meus membros fossem dominados por um vírus escuro que corroia tudo que encontrasse pela frente, um vírus que já me causara tantas alegrias e agora usado para obter-me dores terríveis incapazes de explicar, assim meus sentidos foram todos se dilacerando um a um. O meu olfato estava totalmente obstruído por uma parede densa e escura de sangue que jorrava do meu nariz e de minha boca, também não tinha mais paladar; minhas mãos pareciam estar com infinitas camadas de pele com isso não conseguia sentir o meu tato; minha visão foi dando lugar a uma nuvem esfumaçada com um tom noturno que naquele momento ia se alastrando diante dos meus olhos, o que me restou ver pela última vez foi uma bela estrela brilhante no céu, ela parecia assistir tudo dali, calada, tentando reagir de alguma forma para me ajudar, mas não podia fazer nada, a não ser esperar o desfecho daquela piedosa cena. Por pouco tempo só me restava à audição, e tempo suficiente para escutar gritos desesperados, choros e muitos lamentos da situação em que eu me encontrava, ou melhor, de minha morte, então meus ouvidos foram tomados por um som solitário e sombrio. Ainda com o pensamento nos sons que escutei pela última vez, antes que eu o perdesse totalmente, tentei sentir pena de mim, mas não consegui, pois já não mais batia o meu coração. Diante de todos esses simultâneos acontecidos, eu não conseguia mais reagir e lutar contra esse sentimento, assim, não me restava outra alternativa senão entregar-me definitivamente a ele. E foi aí que eu morri... De amor."
Jardeu Amorim (Palhaço e Ator Popular de Rua)
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