Larissa Newton
Gostaríamos de agradecer de coração a Jornalista Larissa Newton que escreveu esta belíssima matéria sobre o Movimento Escambo, não só pela matéria, mas por ter feito a cobertura completa do movimento participando ativamente e em todos os momentos de nossa programação durante os 4 dias fazendo entrevistas, conversando, fotografando visitando nossa cidade, comento e dormindo como todos os escambista no mesmo espaço, UMA VERDADEIRA ESCAMBISTA.
Aproveitando agradecimentos, nosso muito obrigado ao fotografo Helio Creston que liberou suas belas fotos para serem utilizadas em nossos materiais e blogs.
Um movimento popular cultural que desafia o tempo superando obstáculos incríveis e que está prestes a completar 20 anos de existência tem certamente muitas histórias para serem contadas.
No último feriadão, dezenas de jovens, alguns nem tão jovens assim, rumaram para Umarizal. Eram cerca de 150 artistas de rua, das cidades de Lucrécia, Janduís, Upanema, Natal. Só de Fortaleza vieram 45, junto com artistas de rua da Venezuela, Argentina e Colômbia. No ar, a expectativa pela troca de experiências e aprendizados a serem proporcionados neste que foi o XXVIII Escambo Livre de Rua.
Apresentações de teatro, dança, poesia, folclore, malabarismo. O privilégio de ouvir a mensagem em forma de história, teatro e poesia de velhos mestres, como "seu" Carneirinho, "seu" Lolô e de Toinho de Otila, o "poeta barbeiro". O folclore do Cavalo Marinho, do Maracatu, da dança do boi. A dança da araruna apresentada pelas crianças da escola municipal local. Malabares e grafitagem. E, sobretudo, os cortejos à noite, sempre despertando alegria e curiosidade na comunidade. Palhaços com suas brincadeiras hilariantes e espetáculos apresentados ao pé de um poste de luz.
Realizar um evento destes quase sem dinheiro é uma arte que depende da ajuda da comunidade. O segredo está na própria palavra Escambo. A pedagoga e especialista em educação Maria Josevânia Dantas, pesquisadora do movimento Escambo, explica: "O termo escambo era usado na Idade Média para designar a troca direta de mercadorias, sem que houvesse mediação de padrão monetário". Emanuel Coringa, do grupo Arte e Riso de Umarizal, conta como foi: "Os grandes apoiadores são da própria comunidade. Cada um doa dentro das possibilidades. Por exemplo, o dono da mercearia doou 4kg de queijo, a minha vizinha, 50 pães. O dono de uma banca de feira doou grande parte da verdura. Feijão foi o diretor de uma escola. Então isso a gente vai somando até chegar ao que seria necessário para sustentar o movimento em si. A prefeitura nos apoiou liberando a estrutura física da escola municipal através da Secretaria da educação e também doaram em torno de 40 quilos de carne. E, em troca, a gente oferece os espetáculos nas ruas da cidade."
O movimento Escambo Livre de Rua surgiu em 1991, no interior do Rio Grande do Norte, liderado por grupos de artistas populares que se uniram para socializarem suas produções teatrais e seus conhecimentos sobre esta arte. A partir de então, passaram a travar um diálogo permanente sobre a política cultural do País. A insatisfação da classe artística potiguar com a política cultural é a força que sustenta o movimento até hoje. Nestes quase 20 anos, o movimento só obteve apoio oficial por três vezes, mas persiste graças às pequenas parcerias. Durante esse tempo o movimento cresceu e atua em vários municípios do interior do Estado, além do Ceará, Pará e Maranhão.
Artista de Lucrécia, o estudante Anderson, 18 anos, não perde um Escambo. "O Escambo traz conhecimento e reflexão, porque mostra uma cultura diferente da que a gente vê comumente. A cultura do escambo enriquece muito a gente," disse. Aos 14 anos, Romeika já participou de três escambos. "É bom porque é uma forma de inovar e obter conhecimento," revelou. Vitor da Costa também adora os Escambos. "É legal demais conhecer gente nova. Neste Escambo, por exemplo, teve gente do Peru, Argentina... são culturas novas. A oficina o Cavalo Marinho gostei bastante."
Júnior Santos, um dos articuladores do movimento desde o seu nascimento, destaca a importância social do Escambo. "As grandes histórias de sucesso no Escambo são as pessoas que superaram dificuldades, ocuparam seus espaços na comunidade. O escambo alimenta a cidadania. As pessoas crescem. Um exemplo é o Grupo Flor do Sol de Redonda (CE). Lá só tinha uma pessoa formada, que era um professor de matemática. Hoje na Redonda está quase todo mundo formado, todo mundo estudando. Todos estimulados pela própria cultura. E hoje, as crianças quando nascem, os pais já querem que elas entrem no Flor do Sol, por que assim os meninos não fumam crack, não vão roubar. Os meninos estudam, viajam, têm bagagem. Isso é um exemplo. Os nossos grupos todos vêm da zona rural, e tem uma história de vitoria muito forte." E completou: "Temos que desmistificar que a arte é para os escolhidos, ela é para todos. Arte é fácil de ser feita, todo mundo pode. Basta despertar nas pessoas a possibilidade de fazer."
Tudo isso aconteceu em Umarizal graças ao grupo Arte e Riso, que recebeu o Escambo na cidade. Enquanto isso, a Casa de Cultura da cidade está parcialmente interditada há quatro meses por conta de um vazamento na caixa d'água que inundou até a biblioteca. Foram três dias de paz, cultura e exercícios de cidadania, onde o secretário da cultura do município não apareceu.
Para finalizar o evento, uma bola de basquete foi rifada com o objetivo de arranjar o dinheiro para terminar de pagar o ônibus dos grupos que vieram de Fortaleza.
MATERIA COM O MESTRE!!!
RAIMUNDO JOSÉ DA SILVA
Raimundo José da Silva, conhecido por "Seo" Lolô, é um respeitado benzedor e guardião de uma tradição que começou em 1901, que é a Dança dos Negros de São Benedito e da Trezena de Santo Antônio. "Seo" Lolô tem 56 anos e construiu uma capela em Umarizal para homenagear o santo de sua devoção. Analfabeto por força das circunstâncias, "Seo" Lolô mesmo assim é referência de tradições que estão se perdendo no tempo, além de manter um minimuseu na própria casa, onde guarda diversas antiguidades do sertão inclusive armas de alguns cangaceiros, como um cinturão de Maria Bonita e um pequeno revólver usado por Lampião.
O Museu traz tambem em seu acervo o chapéu de Macilon e até mesmo uma das esporas da bota de Jararaca. Nos dias de festa "Seo" Lolô faz pratos típicos africanos que aprendeu com a avó. Criou sozinho três filhos naturais e um adotivo.
por: Larissa Newton
O Mossoroense: “Seo” Lolô, o senhor é herdeiro de uma tradição que teve início em 1901, que é dança dos negros cativos. Conte um pouco desta história pra gente.
Lolô: Eu não sou preto, mas no meu tempo de menino fui criada por minha avó que tinha sido uma preta cativa. E então eu fui criado na sujeição. Não tinha brinquedo, eu trabalhava duro o dia todo, tinha que buscar lenha no mato, pisava sal porque naquele tempo era assim que se moía o sal, moía milho,puxava caroço de algodão, carregava água num pote na cabeça. Carreguei tanta água que até minha cabeça tem essa marca do pote (mostra a marca). Não tive infância, nunca brinquei, quando muito arrumava um osso e saía puxando, e ainda assim me chamavam e botavam pra dentro.
OM: Por que era desse jeito?
L: Porque eu era criado na sujeição delas. Eram quatro mulheres: Antonia, Maria Francisca, Maria Patu e nega Vicença. Elas moravam la no sítio, todas pobres, e elas foram criadas por aquele povo rico, o Coronel Cristalino, o senhor João Nonato, Zé Regalado. Elas foram criadas naquele regime cruel, e então passaram isso pra mim. Naquele regime muito duro, assim eu nunca tive lazer de nada, até hoje nunca fui ao cinema e não sei ler nem escrever, porque elas não me deixavam ir à escola. Apenas sei assinar meu nome. Naquele tempo, às vezes, em noite de lua, a gente ia a pé fazer boca de noite, que é passar um pedaço na casa de vizinhos. Aí la se juntava aquela criançada, fazia o murrão para alumiar.
OM: O que é murrão?
L: Murrão é você pegar um pano, enrolar bem enrolado, ensopar na cera de carnaúba, depois dobrar todinho, deixar uma ponta e acender. Ia a noite todinha.
OM: E como o senhor aprendeu a fazer comida africana?
L: Fui vendo e aprendendo com elas. Sei fazer tuiu na bananeira, é feito com macaxeira, tem o beiju da mulata, que você pega e faz com coco e castanha. É gostoso. Elas trouxeram essas tradições da África e foram cativas do Coronel Cristalino, do major Zé Regalado e dona Cloide, que foi a mulher mais rica da serra de Martins. Então naquele tempo elas eram negas cativas. E lá tudo elas faziam. Elas que me criaram. A gente morava no sítio Rancho do Povo, perto da parede do açude Rodeador do finado Amâncio Barreto. Mas era uma sujeição muito grande, me lembro que uma tarde levei uma surra porque uma delas... uma fazia labirinto, outra fazia puçá, também batia algodão, aí a que tava batendo bilro disse: vá quebrar uns gravetos. Então o finado Leôncio tinha quebrado uma ruma de vara e botou no beco, e eu me descuidei e peguei uma pra aumentar as minhas varas. Quando cheguei ela me obrigou de baixo de peia a devolver o graveto. E Vicença, sempre que a coisa tava ruim, botava um lenço na cabeça e com uma cuia na mão saía por aí, e se ela te encontrasse, por exemplo, já saía dizendo assim: (cantando) Oh, me dá uma esmola, se tiver não negue não, pelo amor de teu pai, eu sou como um papagaio, só como quando me dão. E ali ela tirava as esmolas.
OM: E as brincadeiras de negros?
L: A gente não tinha dinheiro, então inventava um palco e brincava de Rosa Amélia. (Cantando) ... a Rosa Amélia olhou pra mim... moça bonita e arrumada, com uma rosa e um cravo... Tinha também a do cavalo marinho e a da latada, que era tocar fogo em todos os adereços que a gente fazia, no fim da bricadeira.
OM: Apesar de ter sido criado cheio de limitações, nesta vida dura aqui do sertão, o senhor tem um acervo cultural muito rico e ainda construiu esta capela, onde nos encontramos agora. Por que fez isso?
L: Eu sempre prezei muito as tradições, e minha avó sempre rezava as trezenas na casa de taipa onde nos morávamos. E eu sempre dizia que um dia haveria de construir uma capela para Santo Antônio. Pena que nenhuma delas chegou a ver a obra. Eu tenho ainda este Santo Antônio da minha avó que deve ter uns 200 anos. Todos esses santos são antigos.
OM: Então, todo mês de junho aqui tem a trezena...
L: Oh, sim... e vêm romeiros de muitos cantos! Vem romeiro até de Mossoró e do Apodi.
OM: E o que o senhor acha do candomblé, que é uma religião africana. A sua avó e as outras não eram do candomblé?
L: Não. Elas eram da religião católica. Não gostavam de candomblé. A gente fazia a dança de São Benedito dos negros. Só isso. Minha avó sempre rezou. Eu mesmo rezo o Santo Ofício todas as noites. E sei tudo de cor. Também o sonho de Nossa Senhora: "Estava Nossa Senhora em vertente de Belém com seu livro de ouro na mão meio lido meio rezado, chegou seu bento filho e disse: mainha, o que faz? Filho meu, faz três dias que não durmo, outra noite o sonho que tive com vós, eu vi o sol tremer, vi a terra gemer, e as estrelas do céu correr. Eu vi grande dor sobre você, eu vi a sua boca bebendo fel, vinagre e bebidas amargosas, e vi vós uma grande madeira carregar, uma grande coroa de espinhos na sua santíssima cabeça, dois pregos batidos nas suas sagradas mãos, e nos seus benditos pés. Assim falou Jesus: minha mãe tudo que vos sonhastes é a santa verdade, e este sonho continuado, três dias antes da morte aparece Nossa Senhora consertando todos os nossos pecados. Por grande que seja o pecador, por Jesus será perdoado, e por grande que seja o atropelo na vida há de ser aliviado. Quem ouvir este sonho e for justo se arrependerá. Amém. "Esta história, o pessoal do Sebrae, quando veio aqui, me disse que hoje eu era um museu por dentro!
Ass: Emanuel Coringa- Palhaço Lçombriga- Cia. Arte e Riso
Larissa | 1 de dezembro de 2010 às 09:57
Poxa... estou emocionada com esta homenagem. Passei alguns dias maravilhosos em Umarizal, e foi um grande prazer fazer esta reportagem. E as fotos do Creston são ótimas! Um grande e fraterno abraço a todos vocês.