Por João Herculano Dias
FELIZ NATAL
Os tempos eram duros para José
e Maria. A bolha imobiliária explodira. O desemprego aumentava entre
trabalhadores da construção civil. Não havia trabalho, nem mesmo para um
carpinteiro qualificado.
As colônias judaicas
continuavam sendo construídas, financiadas principalmente pelo dinheiro judeu
da América do Norte, vindo de especuladores de Wall Street e dos produtores de
filmes de Hollywood.
"Bem", pensou José,
"temos algumas ovelhas e oliveiras e Maria cria galinhas". Mas José
preocupava-se: "queijo e azeitonas não chegam para alimentar um rapaz em
crescimento. Maria vai dar à luz o nosso filho um dia destes". Os seus
sonhos profetizavam um rapaz robusto trabalhando ao seu lado… multiplicando
pães e peixes.
Os colonos desprezavam José.
Este raramente ia à sinagoga, e nas festividades chegava tarde para fugir ao
dízimo. A sua modesta casa estava situada num local ideal para a expansão das
colônias. Por isso quando José se atrasou no pagamento do imposto predial, os
colonos apropriaram-se da casa dele, despejaram José e Maria à força e
ofereceram-lhes passagens só de ida para Jerusalém.
José, nascido e criado
naquelas colinas áridas, resistiu e feriu uns tantos colonos com os seus punhos
calejados pelo trabalho. Mas acabou abatido, num desespero total. Maria, muito
mais nova, sentia os movimentos do bebê e sabia que a hora estava chegando.
"Temos que encontrar um
abrigo, José, temos que sair daqui… não há tempo para vinganças", implorou.
José, que acreditava no "olho por olho" dos profetas do Antigo
Testamento, concordou contrariado.
E foi assim que José vendeu
ovelhas, galinhas e outros pertences a um vizinho árabe. Comprou um burro,
comida e partiram para a Cidade Santa.
O caminho era pedregoso e
cheio de buracos. Maria sentia dificuldades devido ao estado avançado da
gravidez. Pior, estavam na estrada para os palestinos, com postos de controle
militar por toda a parte. Ninguém tinha avisado José que, por ser judeu, podia ter-se
metido por uma estrada pavimentada – proibida aos árabes.
No primeiro posto militar,
José viu uma longa fila de árabes à espera. Apontando para a mulher muito
grávida, José perguntou aos palestinos, meio em árabe, meio em hebreu, se
podiam continuar. Abriram uma clareira e o casal avançou.
Um jovem soldado apontou seu
fuzil e disse para o casal parar. José então apontou para a barriga da mulher.
O soldado deu meia volta e virou-se para os seus camaradas. "Este árabe
velho engravida a menina que comprou por meia dúzia de ovelhas e agora quer
passar".
José, vermelho de raiva,
gritou num hebreu grosseiro: "Eu sou judeu. Mas ao contrário de vocês…
respeito ás mulheres grávidas".
O soldado empurrou José com o
fuzil e mandou-o recuar: "Você é pior do que um árabe – não passa de um
velho judeu que viola as meninas árabes".
Maria, assustada com o caminho
que as coisas estavam tomando, virou-se para o marido e gritou: "Para,
José, ou ele atira e o nosso filho vai nascer órfão".
Vendo a confusão, um oficial do
posto se aproxima. Observa atentamente José e Maria e então ordena:
"Levante a saia para vermos se não tem nenhuma bomba escondida.”
Maria ficou branca de
vergonha. José olhava para o fuzil desmoralizado. Os soldados riam-se e
apontavam para os peitos inchados de Maria, gracejando sobre um terrorista
ainda não nascido com mãos árabes e cérebro judeu.
José e Maria continuaram a
caminho da Cidade Santa. Foram várias vezes detidos nos postos de controle.
Sofriam sempre mais indignidades e mais insultos gratuitos proferidos por
homens e mulheres, leigos e religiosos...
Já era quase noite quando
Maria e José chegaram finalmente ao Muro de Jerusalém. Os portões já estavam
fechados. Maria chorava em pânico, "José, sinto que o bebê está chegando.
Por favor, arranja qualquer coisa! Depressa!".
José entrou em pânico. Viu as
luzes duma pequena aldeia ali perto e correu para a casa mais próxima. Uma
mulher palestina que estava na porta, olhou para a cara empoeirada e agitada de
José e indagou: "Quem é? O que quer?"
"Sou José, um
carpinteiro. A minha mulher está quase dando a luz e preciso de um abrigo para
proteger Maria e o bebê". José implorava na sua estranha mistura de hebreu
e árabe.
"Bem, fala como um judeu,
mas parece mesmo um árabe", disse a mulher palestina rindo enquanto o
acompanhava até Maria.”
A cara de Maria estava
contorcida de dores e de medo; as contrações estavam ficando mais intensas.
A mulher os conduziu para um
estábulo onde se guardavam ovelhas, galinhas, vaca e onde havia um cachorro
dormindo no chão de terra. Logo que entraram, Maria gritou de dor. A palestina
chamou sua vizinha, parteira muito conhecida e experiente, que rapidamente fez
a jovem mãe se deitar numa cama de palha.
E assim nasceu a criança,
enquanto José assistia cheio de temor.
Aconteceu que passavam por ali
alguns pastores, que regressavam do campo, e ouviram uma mistura de choro de
bebê e de gritos de alegria e se apressaram a ir até ao estábulo levando as
suas armas e leite fresco de cabra, sem saber se iam encontrar amigos ou
inimigos, judeus ou árabes. Quando entraram no estábulo e depararam com a mãe e
o menino, puseram de lado as armas e ofereceram o leite a Maria que lhes
agradeceu tanto em hebreu como em árabe.
E os pastores ficaram
estupefatos e pensaram: Quem seria aquela gente estranha, um pobre casal judeu,
com aparência de árabes?
As novas espalharam-se
rapidamente sobre o estranho nascimento duma criança judia junto ao Muro, num
estábulo palestino. Apareceram muitos vizinhos que contemplavam Maria, o Menino
e José.
Entretanto, soldados
israelenses, equipados com óculos de visão noturna, alertaram suas torres de
vigia que cobriam a vizinhança: "Os árabes estão se reunindo junto ao
Muro, num estábulo, a luz de velas".
Abriram-se os portões por
baixo das torres de vigia e de lá saíram carros blindados, seguidos por
soldados armados até aos dentes, que cercaram o estábulo, os aldeões reunidos e
a casa da mulher palestina. Um alto-falante disparou, "Saiam para fora com
as mãos no ar ou disparamos". Saíram todos do estábulo, juntamente com
José, que deu um passo em frente de braços virados para o céu e falou:
"A minha mulher Maria não
pode obedecer as suas ordens. Está amamentando o menino Jesus".
Herculano Dias – Rio de
Janeiro
0 comentários: