Por Luíse Bello
Inspirada pelo meu texto
publicado no incrível Think Olga, compartilho com vocês uma pequena introdução
à minha faceta feminista. Enjoy!)
O título alarmante é pra chamar
atenção mesmo e dizer que eu concordo com este que é o argumento mais batido
daqueles que querem atacar o feminismo. É verdade. Toda feminista é mal amada.
E ela só é mal amada porque é mulher. Sou uma delas e posso dizer que sou, sim,
muito mal amada.
Sou mal amada desde criancinha
quando me ensinaram que o meu mundo era um tanto quanto limitado. Na escolinha
onde estudei até a quarta série (não sei o equivalente no mundo atual), o único
brinquedo que havia no pátio era uma mesa de totó. Muito velha, muito capenga,
mas era um sucesso – e exclusiva para os meninos. Eu já não gostava de futebol,
mas tinha tanta vontade de brincar naquilo! E o fato de não poder me
angustiava. Era a primeira de muitas experiências do tipo.
Conforme fui crescendo, descobri
que a mídia também não me amava. Não fui amada por todas as novelas que
retratavam somente mulheres que não se pareciam em nada comigo (ou com a
maioria das mulheres que eu conheço); não fui amada pelos noticiários que
tratam mulheres poderosas com desdém, focando por vezes em seus atributos
físicos em detrimento de sua intelectualidade e conquistas alcançadas; não fui
amada pelas revistas que me davam 101 conselhos para enlouquecer um homem e
nenhum para me manter sã em meio a tanta pressão; não fui amada pelas receitas
de emagrecimento que me adoeceram em busca de um ideal que só satisfaria aos outros;
não fui amada pelas dicas de maquiagem que esconderiam as minhas imperfeições –
e que me apontaram muito bem quais são elas.
Certamente não sou amada por uma
sociedade que me condena se eu preservar a minha sexualidade (Puritana! Fresca!
Cu doce! Sonsa!) e me condena se eu vivê-la livremente (Puta! Vagabunda!
Piranha!); não sou amada por homens cada vez mais exigentes em aparência física
e que dão notas de 0 a 10 para o meu corpo, analisando se sou digna ou não de
sua afetividade; não sou amada pelas mulheres que, vítimas dessa realidade, me
veem como ameaça, como inimiga, como alguém que está com inveja do que elas têm
ou são ou, pior, como alguém que quer roubar o companheiro delas; não sou amada
por uma conjuntura social em que as minhas roupas são vistas como determinantes
da minha personalidade; não sou amada numa cidade sitiada por tarados, na qual
devo evitar ruas, roupas e horários para não ser atacada; não sou amada por
aqueles que culpam as mulheres em caso de assédio ou estupro contra elas.
Também não me ama o mercado de
trabalho, que me oferece uma remuneração menor e, no fundo, torce o nariz para
a minha maternidade; não sou amada pelas piadinhas sujas que ouço calada de
meus superiores e colegas, por medo de perder o emprego em caso de denúncia;
não sou amada ao ser chamada a atenção por excesso/falta de maquiagem; não sou
amada por uma maioria masculina em cargos de chefia; não sou amada pela
desconfiança de como consegui meu emprego ou uma promoção.
Sou mal amada porque, se eu não
casar até uma certa idade, ninguém mais vai me querer! Nem se eu engordar, nem
se eu emagrecer demais, nem se eu for muito poderosa (porque isso ~assusta~),
nem se eu for muito submissa, nem se eu for muito inteligente, nem se eu for
muito burra, nem se eu não me depilar, nem se eu falar palavrão, nem se eu
gostar de sair à noite, nem se eu quiser compromisso sério, nem se eu não
quiser compromisso sério. Não sou amada quando querem que eu, solteira, namore
(só por namorar, só por ter alguém, só pra ter um homem que me ~assuma~);
namorando, que eu case; casada, que tenha filho; com um filho, que tenha mais;
com mais, que eu tome cuidado pra não embarangar e perder o marido. Não sou
amada quando me dizem pra ter cuidado, hein, senão ele arranja outra!!!
A publicidade, então, me odeia!
Afinal, não me vejo nos anúncios e sempre me pedem para mudar, seja meu cabelo,
meu carro, minha cerveja, meu absorvente, minha barriga, meu molho de tomate,
meus sapatos, meu hálito, meu refrigerante, meu provedor de internet, sempre me
lembrando de que, assim, eu vou ficar mais gostosa, mais atraente, mais feliz,
mais segura, mais tranquila -e menos eu. Porque, não adianta, eu nunca tô 100%.
Eu nunca sou suficiente. Como, então, posso me sentir amada?
Se eu fosse amada (veja bem, não
digo nem BEM amada, o que seria muito melhor. Só amor já ajudaria!), não
reclamaria; não me sentiria feia, nem gorda, nem deslocada, nem magra, nem
incapaz. Poderia circular livremente pelas ruas da minha cidade vestindo o que
eu bem entendesse, sem que ninguém se sentisse no direito de opinar sobre o meu
corpo ou me dissesse o que gostaria de fazer com ele. Ah, se eu fosse amada,
seria valorizada em qualquer setor que eu desejasse trabalhar. E leria
publicações femininas que falassem mais sobre mim, e menos sobre o que querem
os homens. Se eu fosse amada, realmente, em todos os aspectos da minha vida, eu
definitivamente não precisaria ser feminista, nem lutar por condições mínimas
de liberdade para a mulher.
Não sendo o caso, sou mal amada
e, sendo assim, só me resta ser feminista.
Do: http://cronicamentecarioca.com.br/
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