Duas realidades teatrais na
produção paulistana: à esquerda Negra Li no musical Jesus Cristo Superstar, de
Jorge Takla; à direita Marcos Di Ferreira, em Azar do Valdemar, da Cia. dos
Inventivos - Fotos: Bob Sousa
Publicado em 01/06/2014 às 03h06
Coluna do Mate: Produção teatral
tem 2 realidades
De um lado, teatro de grupo
despertando a cidadania cultural; de outro, o teatro comercial com altas cifras
e grande público; vida é feita de escolhas, e a arte também.
O pesquisador Alexandre Mate: Foto: Bob Sousa |
Por ALEXANDRE MATE
Especial para o Atores &
Bastidores
Fotos de BOB SOUSA
A produção teatral paulistana da
última década tem importância semelhante, na condição de fenômeno social, por
exemplo, a algumas das conquistas mobilizatórias da União do Movimento de
Moradias, das Jornadas de Junho de 2013.
Pode haver certo exageramento na
afirmação, sobretudo no que diz respeito ao número de participantes,
entretanto, o chamado movimento de teatro de grupo da cidade de São Paulo, com
mais de 300 grupos em atividade, espalhados por toda a cidade, tem mobilizado
as comunidades nas quais se insere.
No processo de reivindicações e
lutas por mudanças sociais, diversos são os coletivos teatrais que participam
das mobilizações sociais, em prol da dignificação da vida e dos direitos à
moradia, à justiça, à saúde, à educação...
Apesar de os números com relação
à produção teatral serem bem menores, quando comparado àquele das mobilizações
lembradas, nas comunidades de atuação dos grupos, diversos têm sido, também, os
conjuntos de ações culturais que mobilizam as comunidades locais. O teatro tem
se entranhado, estética socialmente, na vida das mais diversas comunidades da
cidade.
Teatro de grupo
Na periferia como um todo tem
havido teatro. Tem havido muito teatro!
Os coletivos teatrais,
esparramados feito “batatinha pelo chão”, além de obras produzidas de modo
colaborativo pelos próprios grupos, tem promovido diferentes ações: desde
mostras, em que outros grupos participam e apresentam suas obras; encontros
teóricos; as mais diferenciadas formas de oficinas expressivas; deslocamentos
de parte das próprias comunidades para participarem de outras atividades
culturais...
Barafonda, da Cia. São Jorge de
Variedades,
que envolveu o bairro paulistano
Barra Funda no projeto -
Foto: Bob Sousa
Enfim, o estético, o pedagógico e
o cívico, por intermédio das ações propostas pelo teatro de grupo, tem se
juntado e instaurado, efetivamente, um conceito de cidadania cultural. Esse tipo
de proposta teatral, cujos assuntos tendem, majoritariamente, a serem coletados
das ruas e das gentes que nelas trafegam, pedem ao sujeito sua participação
como cidadão, aliando o indivíduo ao sujeito histórico.
Claro, por ser fomentado
economicamente pelo Estado, o teatro de grupo é híbrido e não cabe em palcos
tradicionais; tampouco cobra ingressos. Além de a atividade artística, e nela a
teatral, ser concebida como um direito, na totalidade desses coletivos o acesso
é uma realidade de fato e não uma retórica propagandística ou populista.
Inquietude
O teatro de grupo é uma das
realidades teatrais da cidade. Trata-se de um movimento inquieto: que peregrina
de espaços em espaços; que busca parcerias políticas e estéticas; que intervém,
por meio de suas obras, na polis como um todo; que convida todo tipo de gente
para participar, de intelectuais a professores, de artistas aos cidadãos sem
vocação ou prática teatral, de artistas da ativa a artistas aposentados (e
tantas e tantas vezes esquecidos); que participa de diversas ações por entender
que o artista é um cidadão e um trabalhador.
Brecht: "Construir homem
novo" - Foto: Divulgação
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Pedro Osório, na década de 1970,
musicou um poema do teatrólogo alemão Bertolt Brecht, e o português Grupo
Outubro cantou. Assim aparece nos versos: “Não basta ser livre/ É preciso
construir o homem novo/ O homem novo/ Onde a liberdade já não seja discutida/ E
por ser de todos nunca mais seja perdida”. É mais ou menos por aí que tem
pensado e agido muitos coletivos ligados ao movimento de teatro de grupo da
cidade.
O teatro é estética; é luta pela
liberdade e direito de usar os símbolos para se comunicarem com todos os homens
e mulheres, próximos ou distantes; é espaço para discutir história e
transformá-la em linguagem artística; é território de disputa e de denúncia, de
inventário e de devaneio.
Enfim, das produções teatrais na
cidade, que buscam intervir na polis; que renovam o estético, por um permanente
processo de criação coletivo; que incorpora as mais distintas vozes e sujeitos
sociais; que tem feito a forma teatral respirar e renovar-se, efetivamente, o
teatro de grupo tem dito presente aos principais acontecimentos da vida
contemporânea e se presentificado inquietantemente.
Teatro comercial
Correndo por outras pistas, sendo
mobilizados por outros interesses, frequentada por outro tipo de gente... há
uma outra produção teatral sendo apresentada e desenvolvida na cidade. Trata-se
da realidade do chamado teatro comercial, cujos temas, amplitude social,
processo de criação, espaços de apresentação, possibilidade de acesso são
diametralmente opostos àqueles do teatro de grupo.
Tais espetáculos, normalmente,
são apresentados por agrupamento especialmente formado para um fim específico,
ou seja, montar uma obra e cujo processo de criação e de produção depende da
decisão de um sujeito ou pequeno grupo deles, que são os produtores.
Esses espetáculos, algumas vezes,
são montados por sujeitos selecionados em processos de ensaio ou por indicação;
outras vezes, e isso tem sido mais comum, são obras montadas tendo um astro ou
estrela da televisão, que pelo reconhecimento de que dispõem tem facilidade
para suas obras serem patrocinadas.
Em tese, a maioria desses
espetáculos repetem formas já consagradas. Difícil a ousadia ou partilhamento
do processo colaborativo, cujo processo é muito mais lento. Invariavelmente, e
pelo fato de o público pagante preferir obras de mais fácil recepção, a ousadia
da obra apresenta-se não nos temas (que invariavelmente transitam por problemas
individuais), mas nos aspectos visuais da obra. Normalmente, alguém consagrado
e com público distinto, prefere obras mais tradicionais e, normalmente,
aprovadas nos grandes centros culturais do mundo, ou seja, Estados Unidos da
América e algumas capitais da Europa.
Tantas e tantas vezes, evocando a
universalidade nas artes, o teatro comercial não reconhece a produção
dramatúrgica de seu país e pouco faz para incentivar a dramaturgia local.
Algumas exceções poderiam, entretanto, serem lembradas, em produções de 2013.
Experimentais
A primeira delas, por seu caráter
ousado, em direção da sempre irreverente e criativa Georgette Faddel. Na obra O
Duelo, de Anton Tchekhov, a atriz Camila Pitanga, contratada da Rede Globo,
participou do espetáculo bastante experimental.
Andrea Beltrão fez Jacinta em São
Paulo - Foto: Bob Sousa
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De certo modo, a atriz abriu mão
de seu caráter de atriz consagrada para, em experimento teatral, participar do
elenco na condição de coro. A sempre surpreendente Andreia Beltrão protagonizou
Jacinta – A Pior Atriz do Mundo, no texto de Newton Moreno. Em obra também
experimental e de autoria de jovem autor brasileiro, não é a primeira vez que a
atriz, também, contratada da Globo, se apresenta no teatro. Esses dois
espetáculos foram apresentados, respectivamente, no Centro Cultural São Paulo e
no teatro do Sesc Vila Mariana, cujos preços são mais simbólicos e acessíveis.
Claudia Raia e Miguel Falabella
Claudia Raia - Musical
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Cláudia Raia, também contratada
da Globo, atriz com potencialidade para a dança e o canto, além da
interpretação, resolveu remontar Cabaret, filme norte-americano de mega sucesso
de 1972. A obra foi apresentada no Teatro Procópio Ferreira, e segundo as
fontes documentais à disposição, foi um grande sonho realizado pela atriz, teve
ingressos vendidos de R$ 50 a R$ 200.
Tanto a obra já era conhecida
como os valores foram inacessíveis à totalidade absoluta da população. Bom
lembrar que o texto e músicas foram adaptações de Miguel Falabella, que tem apresentado
uma obra atrás da outra, normalmente com patrocínios milionários. Fã de
musicais, o ator-produtor, faz algum tempo, não monta obras de dramaturgia
brasileira.
Em um país como o nosso de imensa
tradição com o teatro de revista, é difícil acreditar que não há/ houve tetro
musical entre nós. Em fontes veiculadas pela grande imprensa, o último trabalho
de Falabella, A Madrinha Embriagada, apresentada no Teatro do Sesi da Paulista,
cujo espetáculo tinha entrada gratuita, teve investimento da instituição
mencionada de R$ 12 milhões. Algumas cenas enchiam os olhos, mas e diversas
perguntas poderiam ser feitas, dentre elas: qual a importância estético-social
da obra? Que significados e contribuições trouxe/ representa a obra para o
teatro paulistano? Qual a importância da obra para nossas vidas, para o nosso
aprimoramento e percepção estéticas?
Escolhas
Nem melhor, nem pior. Ao longo da
vida fazemos escolhas. Alguns, pelos mais diversos motivos, gostam de manter a
tradição e os privilégios daí decorrentes. Outros, sempre descontentes com o
andar e o fazer dos acontecimentos, optam por inserirem-se em permanentes
processos de ousadia, que aprimoram o olhar.
Escolhas, apenas escolhas...
Somos, quase sempre parte daquilo que escolhemos.
*Alexandre Mate é professor do
Instituto de Artes da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e pesquisador de
teatro. Ele escreve no blog sempre no dia 1º.
Via: http://wwwcenopoesiadobrasil.blogspot.com.br/
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