Projeto visa regulamentar terreiros de religiões
africanas e indígenas. Com registro, terreiros podem ter isenção de IPTU e
benefícios em outras contas.
Imagem ilustrativa do bolg Mural de Riacho da Cruz |
No Brasil, é lei: templos religiosos contam com
isenção de IPTU, entre outros benefícios. Mas, a maioria dos terreiros de
candomblé, umbanda e jurema do Rio Grande do Norte não estão legalizados,
segundo o governo, e por isso não têm acesso a esse direito. Um projeto que
visa mudar esse quadro registrou cinco grupos neste ano e outros 15 já estão em
processo de regulamentação e reconhecimento de personalidade jurídica.
A estimativa é que o estado conte com 4 mil
barracões, de acordo com a coordenadora de políticas de promoção da igualdade
racial, sargento Regina Costa. A coordenadoria é ligada à Secretaria de Justiça
e Cidadania do RN. Apesar da quantidade de terreiros, a proporção de instituições
regularizadas é bem pequena - "cerca de duas, para cada mil" -
calcula. Além dos centros em processo de regulamentação pelo projeto 'Meu
Terreiro é Legal', outros 25 estão em lista de espera.
"Existem várias leis que amparam as
instituições religiosas, mas, no passado, quando os terreiros começaram eles
tinham que pedir autorização na delegacia para funcionar, então eles começaram
a se fechar por causa da intolerância. E isso se estendeu através do
tempo", afirma Regina.
A presidente da Comissão da Diversidade Sexual e
Combate à Intolerância da OAB, Paula Fernanda Santos, ressalta que a lei
equipara os terreiros a qualquer outra igreja ou entidade religiosa. Porém,
enquanto as outras insituições sempre foram orientadas a se regularizar, isso
não aconteceu às religiões de matriz africana e ameríndia. "Essa situação
as deixa na invisibilidade social e legal", pondera.
Sem o registro das entidades, os imóveis dos
terreiros se tornam devedores de IPTU, como qualquer outro prédio construído na
cidade. A Defensoria Pública do Rio Grande do Norte, por exemplo, acompanha o
caso de um terreiro cujo dono do imóvel, líder do grupo, faleceu há anos. Desde
então, as dívidas se acumularam. "Em apenas uma das execuções fiscais, ele
deve mais de R$ 9 mil. Ainda vamos fazer um levantamento do total, porque são
várias", explica o defensor Daniel Dutra.
Ele diz que uma reunião vai ser realizada ainda
esta semana para estudar a possibilidade de entrar na Justiça com um pedido de
suspensão liminar das execuções fiscais. "A ideia é buscar o
reconhecimento judicial de que se trata de uma instituição religiosa que já
existe há anos e pedir, com isso, que essas dívidas sejam suspensas",
aponta.
Uma vez legalizadas, as instituições recebem
isenções fiscais, podem participar de editais de projetos sociais do estado e
do município, realizar trabalhos com a comunidade e contar com benefícios nas
contas de energia, por exemplo. Os sacerdotes também ficam aptos a realizar
casamentos com efeito civil, batizados e pagar a previdência.
No projeto, os custos com cartório são bancados
pelas próprias instituições. De acordo com Regina, o programa não conta com
recursos para isso. A participação do estado acontece na elaboração dos
estatutos desses terreiros, em parceria com a OAB. O documento ainda passa pela
revisão de uma empresa júnior da UFRN. Além da criação da personalidade
jurídica, as entidades precisam apresentar uma diretoria, responsável legal por
ela.
Segundo Regina, um levantamento realizado em 2010
apontou que somente na Zona Norte de Natal há cerca de mil terreiros,
considerando também as mesas brancas. Os grupos são divididos entre os
praticantes de candomblé, ubanda - de matriz africana - e jurema, que é uma
prática religiosa ligada à pajelança indígena, anterior à chegada dos
colonizadores portugueses ao Brasil.
Projetos
O Terreiro de Jurema Mestre Negro Gerson, no bairro
Parque das Dunas, na Zona Norte de Natal, existe há 16 anos, mas só conseguiu
ser registrado oficialmente há duas semanas. "A gente já tinha tentado
outras vezes, mas encontrava muita dificuldade", diz o juremeiro Luiz
Carlos Dila.
O grupo já não pagava o IPTU, mas por falta de
condições financeiras, de acordo com ele. As dívidas estão acumuladas no
município. Em 2017, o imposto cobrado foi de R$ 490, mas nenhuma parcela foi
paga. Agora regulamentado, ele diz que também contará com outras vantagens.
"Soubemos que também tem desconto nas contas de água e luz. Isso é
importante, porque não temos muitos recursos e o que temos pode ser aplicado em
projetos importantes", considera.
Regulamentado, o centro espera realizar aulas de
capoeira para os jovens do bairro, investir em um restaurante que será tocado
pelos seus afilhados, distribuir sopão e criar outros projetos na área de
economia solidária. Ajudar na formação profissional também é outro passo.
"Temos muitos projetos que agora vão poder sair do papel", diz Luiz.
Preconceito
Para o juremeiro, a oportunidade de trabalhar com a
comunidade também é uma forma de reduzir o preconceito. "Sofremos muito
com isso, porque as pessoas não conhecem nossa cultura. Nossos filhos muitas
vezes escondem a religião, não podem dizer isso na escola. A partir de projetos
como o da capoeira, elas podem nos conhecer e quebrar essas visões",
comemora.
Sobre o preconceito contra as religiões, a
coordenadora do Coeppir, Regina Costa, informou que foram registrados 15 casos
no ano passado e outros cinco em 2017. "E são casos sérios. Houve caso de
barracões queimados em Areia Branca. Ano passado, uma menina que estava saindo
de um barracão foi atropelada. O Estado não tem esses registros de
intolerância, porque acabam sendo registrados de outra forma", explica.
Matéria via: http://muralderiachodacruz.blogspot.com.br
– André Alexandre
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