Agora e sempre, toda essa gente na hora e no lugar do costume pra dizer e fazer saber as mesmas coisas do costume. Elas andam, param, pensam, dirigem e tudo transcorre num ir e vir costumeiro e, de certa forma, improvisado.
E eu, não sendo isento ou diferente ou indiferente ao costume, aqui estou. Preso dentro desta caixa de vidros, plásticos e metais que é meu pequeno veículo. Uma nave rastejante sobre o asfalto. Uma lesma que ao rastejar, ao invés de visco, deixa uma quase sempre imperceptível marca de borracha impressa na superfície do solo por onde passa.
E em horário de trabalho eu trabalho. Sou um trabalhador honesto e honrado. Todavia confesso que em meu tempo de descanso eu cometo o ato vil de escrever e contar coisas que deveriam muitas vezes perecer no imaginário. Computador? Somente depois das dezoito ou dezenove horas. Neste teclado não ponho os dedos antes que todas as minhas tarefas sejam vencidas. Mas hoje fujo à regra e cometo uma exceção. Não se trata simplesmente de um rascunho imagético, uma experiência quase sobrenatural, mas sim de um fenômeno da natureza do universo que suplanta e engole a limitada natureza humana. É uma situação extrema.
Você que me lê, o caos bate à sua porta e rompe através dos portais. Venho no meio da tarde trazer a epístola que anuncia o fim do mundo que já começou sei lá quando e só agora eu fiz perceber. O apocalipse previsto por João. Não soaram trombetas inaugurais para cada qual tentar com suas unhas e dentes uma oração redentora de todos os pecados condenatórios. Aqui estamos compartilhando de minha perplexidade óbvia e ululante.
E era pra ser apenas mais uma tarde quente de trabalho como muitas que aqui incendeiam enquanto vamos ocupados de mais com nossos afazeres. E bem no meio da tarde, num horário que as imagens a céu aberto adquirem uma coloração amarelada como se víssemos tudo através de um negativo de foto, um efeito sépia, eu vi o Nefasto. O calor atingiu níveis tão insuportáveis a nós humanos que outras criaturas se sentiram libertas para circular à luz do dia e por entre nós tratar de seus interesses hediondos, odientos e odiosos. E nós, que trabalhamos sob a opressão dos poderosos grilhões do calor a envolver nossos punhos e tornozelos, sabemos que este tipo de acontecimento amiúde é o prenúncio do fim dos tempos, o sinal, o prefácio apocalíptico.
Indo daqui ali, e ‘daqui ali’ você que escreve sabe que nunca vem ao caso, eu fiz uma parada diante do semáforo aceso em vermelho como brasa. Levemente sufocado, sem ligar o ar condicionado do carro da empresa, pois sou alérgico (e eu não estaria pictoricamente detalhando tais coisas se não fosse por querer, de certa forma, ajudar os que me lêem a enxergarem com clareza a gravidade do fato). E foi nestas circunstâncias que, ao acender o sinal verde, sem se importar com os carros engrenados e já acelerando em progressão, Ele saltou diante de todos e atravessou à passo largo. Um forte cheiro nauseabundo de fumo e enxofre se desprendia de sua capa e roupas pretas invadindo o interior dos carros e dos estabelecimentos comerciais imediatos. As faces se contorciam ao inalar o odor ácido. A imagem encheu-me de assombro e terror. O Diabo atravessou a frente de meu carro e eu quase o atropelei. Deu um soco no capô, encarou-me, pude ver seus olhos vermelhos e a origem de seus córneos frontais. Seguiu rumo á margem oposta. Entrou por uma loja onde à porta se via uma vendedora muito bem equipada ociosa, mascando chicletes e escorada no batente. Deu-lhe um selinho e entrou. A moça entrou logo atrás. Eu segui com o carro e não vi mais nada. Paro na primeira porta de lan house e anuncio o fim que está próximo. Esta tarde fez o tal calor dos Diabos.
Obs. O meu nome é Constantino Bonaparte e sou um pseudônimo do autor do blog, mas podem me chamar de Consta.
Do Blog: http://jefhcardoso.blogspot.com/
Postado por Jardeu Amorim
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