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Todos concordam que o teatro é uma arte, mas poucos concordariam em dizer que também é ciência. Isso já foi dito antes, o dramaturgo e poeta alemão, Bertolt Brecht, já dizia que o teatro de uma era científica, exigiria do ator uma compreensão em nível científico para que pudesse dialogar com as questões da pauta do dia da sociedade. Mas aliás, que é ciência mesmo o que quer dizer isso de compreensão em nível científico?
Ciência, conforme conhecida em nossos tempos é um sistema de explicação particular, existem muitos outros legítimos e reais. E o que distingue esse sistema é a existência de alguns critérios, conforme explica Humberto Maturana com os critérios de validação da explicação cientifica (Maturana 2001): 1o. Um fenômeno considerado válido pela comunidade para se explicar, tentar responder o que as pessoas não perguntaram geralmente faz nenhum sentido. 2o. A proposta de um mecanismo gerador, isto é uma receita pela qual podemos reproduzir o fenômeno, ou ao menos afeta-lo de modo previsível. 3o. Que a comunidade aceite essa explicação, colocando em teste esses mecanismos, vendo-os ma pratica. 4a. Ocorrerá então mudança na conduta, mudança por aceitação de uma explicação contendo um mecanismo gerador, quer dizer, prático e testável.
Um dos nossos problemas coletivos é que a ciência foi, rapidamente, entendida como galinha de ovos de ouro do conhecimento natural, e foi seqüestrada por um grupo de homens egoístas e violentos, que usufruem avidamente de seus frutos, que utiliza os cientistas de modo burocrático e autoritário para a produção de armas, de bombas atômicas a germes virulentos a serem utilizados em guerras de interesse econômico. Trancaram a prática científica dentro de universidades e institutos de pesquisa, de laboratórios sofisticadíssimos e caros, custeados com dinheiro público de modo geral. Desse modo, muito poucos tem acesso a ciência, e muitos menos ainda oportunidade de refletir profundamente sobre os mecanismos e contradições do mundo cientifico. Note-se que não é pequeno o número de pesquisadores e cientistas proscritos oficial e tacitamente pelos barões das ciência do Brasil. Ciência sobremesa, que importa verdades enlatadas de laboratório para mal-empregar o recurso publico de país que luta para sair da miséria, para sair da pior das misérias que é a ignorância, a humilhação, a falta de conhecimento, o obscurantismo e o fanatismo que uma parte enorme de nosso povo esta imersa.
Entretanto, a ciência não esta longe de nós, ao contrário, é diária e cotidiana. Mais que isso, somos confrontados por diversos problemas cuja maioria deles já tem solução conhecida. Somos cientistas e não assumimos isso, não pensamos profundamente sobre nossos problemas, sequer sabemos que podemos sair de qualquer lama através da reflexão, da identificação de possibilidades e superação através de ações coletivas. Mas para isso é preciso método, jeito de fazer, reflexão, e conhecimento de características básicas do ser humano, da biologia humana, ajudam os segredos da medicina e o conhecimento científico de nossa era, aplicado a serviço da natureza e da humanidade.
O teatro é uma ciência tão antiga quanto o homem, esta apoiado no conhecimento das mais fundamentais leis da biologia cultural humana, se apóia em todos os saberes disponíveis num determinado momento, para se fazer a superação, a transformação, a concretização do sonho em matéria, a utopia que significa o espetáculo humano do possível, do transcendental. Se fundamenta na magia, nos rituais, no mistério inerente da biologia e do viver humano, se fundamenta no fluxo eterno, no contato com dimensões mais profundas de nossa natureza, e que isso é parte fundamental de nossa existência de atores humanos, que sem isso viramos máquinas, com vida mecânica de repetições e falsidades de televisão. É uma questão de saúde, de coerência em uma era científica.
O teatro, como boa atividade humana, é também arte, tem seus métodos e jeitos de fazer, e é ciência pois está necessariamente ligado às formas de explicar o mundo, conhecimentos, paradigmas vigentes de seu tempo, e estes nos últimos 150 anos testemunhamos em escala global a colonização de um particular tipo de conhecimento, nomeadamente o conhecimento cientifico, que sabemos, contribuiu para os maiores milagres e as piores violências contra a humanidade e o planeta.
Quer dizer, que essa reflexão, desde que aceitas por quem lê, propõe que o teatro, bem como todas as atividades humanas, sejam praticadas com mais responsabilidade científica, e mais ética, pois além de reproduzir idéias da ciência, tem grande responsabilidade por nossa existência coletiva na Terra.
A derrubada das paredes do conhecimento, sua integração da arte a ciência, integrar os saberes e os fazeres, é fundamental para que possamos exercer nossas melhores possibilidades e sentimentos. Como é que você sabe que sabe uma coisa se não faz? E como é que você faz para fazer uma coisa se não sabe?
Vitor Pordeus
Médico pesquisador e ator.
Escrito depois de gravarmos uma conversa com o diretor de teatro Amir Haddad e o cientista Nelson Vaz juntos no Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Referências
1. Laboratório TupiNagô de Arte e Ciência. http://tupinago.blogspot.com/
2. Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde, Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro. http://nccsrio.blogspot.com/
3. Universidade Popular de Arte e Ciência do Brasil http://universidadepopulararteciencia.blogspot.com/
4. Maturana H. Cognição, Ciência e Vida Cotidiana. Editora UFMG, Belo Horizonte. 2001
5. Brecht B. Brecht on Theatre edited by John Willet, Hill and Wang, New York, 1964
Texto postado por Ray Lima na Rede do Movimento Escambo na Internet
Postado por Jardeu Amorim
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