II CONGRESSO DA UPAC - OCUPA NISE - RJ

OCUPA NISE - 2º Congresso da Universidade Popular de Arte e Ciência (UPAC) - Evento público  De Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde que aconteceu de 09 de Julho às 09:00 até 31 de Julho às 21:00.
A Cia. Arte e Riso esteve representada no OCUPA NISE com o Palhaço, ator, e poeta Emanuel Coringa.
Veja imagens e leia relatos de companheiros do Movimento Escambo que estiveram no encontro.


Ato cenopoético - manifestação síntese do Ocupa-Nise - II Congresso da UPAC-RJ. Abertura do V Encontro Nacional de Educação Popular e Saúde - ENEPS - Concha Acústica da Universidade Estadual do Rio de Janeiro-UERJ - 31 de julho de 2012.
Por Ray Lima

Nunca vi, vivi tanta ciência, educação popular, arte, amorosidade, humanização, produção de saúde, alegria, criatividade, fé, liberdade, afetividade incondicional, espontaneidade, vontade coletiva, expressividade, intuição, humanidade, etc. tudo isso junto e ao mesmo tempo. Uma polifonia de existência, resistência e saber.

Desde o dia 09 de julho que estamos acampados, ou melhor, hospedados no Hotel da Loucura, no terceiro andar, um espaço adaptado de antigas enfermarias desativadas do hospital psiquiátrico Nise da Silveira. Trata-se do II Congresso da Universidade Popular de Arte e Ciência - UPAC que este ano acontece dentro de um hospital. Aqui nos misturamos com os "clientes" como Nise gostava de chamar as pessoas que são trazidas para cá em busca de tratamento, amparo e cuidado. Antes da Dra. Nise da Silveira reinavam o eletrochoque, a lobotomia e outras soluções tanto quanto brutas, violentas. Hoje sentimos que, embora com os avanços provocados pela ação corajosa e amorosa daquela mulher alagoana e nordestina a partir da arte e da ciência, muito tem a ser feito em termos de conduta médica e de aprofundamento da pesquisa e da prática da arte em processos de cura, de reanimação do ser para a retomada de sua dignidade como ser humano autônomo, liberto e senhor de si. Dra. Nise demonstrou que isso é possível por meio da criação artística, principalmente da pintura e também da terapia com animais. E nós, a partir do teatro, da cenopoesia, da dança, da música, das manifestações e celebrações criativas e alegres, em 15 dias de residência e resistência, convivendo com tantas pessoas maravilhosas, sensíveis, sofridas, mas extremamente inteligentes e capazes de se relacionar com o outro com uma sinceridade que nas relações sociais lá fora é muito raro encontrarmos. É assim, fazendo arte, comendo, aprendendo e vivendo juntos, até porque alguns deles e delas passaram a dormir no Hotel da Loucura conosco, portanto é desse modo que vamos desvendando os mistérios das relações humanas, dos desequilíbrios que a sociedade gera em nossos corpos e almas e depois nos expurga, nos afasta do convívio coletivo, nos atrancafiando nas redomas da solidão, do desprezo e da violência. Hoje não mais do eletrochoque e da lobotomia, mas ainda da chamada "camisa-de-força química" e do descuido, de sutis maus-tratos físicos e anímicos. Pelos depoimentos emocionados de cuidadores e clientes, pela nossa emoção, pela mudança sentida também em nós esse congresso representa um passo fundamental adiante em relação aquilo que Nise da Silveira iniciou nos 40 do século passado.

O jovem artecientista Vitor Pordeus através da UPAC e do Núcleo de Arte e Ciência da Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro nos provoca e aponta caminhos. Por aqui já passaram José Pacheco da Escola da Ponte de Portugal, Amir Haddad do Tá na Rua do Rio de Janeiro, Dra.Vera Dantas das Cirandas da Vida-CE, o diretor, encenador, cenopoeta e dramaturgo Júnio Santos do Movimento Escambo Popular Livre de Rua, Dra. Heloísa Helena Costa da Universidade Federal da Bahia e seu filho, o psicólogo Ivan Costa; Além destes os grupos de teatro de rua de São Paulo:Pombas Urbanas, Inventivos e Buraco d'Oráculo; e ainda o músico e compositor Edu Viola e sua companheira educadora e cantora Lu Calheiros. Do Ceará: Pintou Melodia na Poesia; Cirandas de Arte, Aprendizagens, Pesquisa e Cuidado; as Cirandas da Vida; e o Templo da Poesia. De Sergipe: duas representantes do MOPS/ANEPS das práticas integrativas e populares de Cuidado de Aracaju; do Pará os estudantes de medicina e da Trupe da Pro-cura, Vitor Nino, Bruno Brabo e Bruno Passos; de Florianópolis a cuidadora e Homeopata Dra.Haydê Haviaras; do Rio o Cantor Ney Matogrosso; Mãe Tânia, Leo e Gabriela Haviaras do grupo Tupi NagÔ, e os agentes culturais de Saúde; o pesquisador da Fiocruz e palhaço Matraca; o dentista, gestor de saúde e músico Gert Wimmmer, entre outros; do Rio Grande do Norte, o Xamã e Pajé, Amauri Gurgel, o Bando La Trupe de Natal, representado por Filippo Rodrigo, e o Cervantes do Brasil de Macau. Do Nise da Silveira, Dra. Gladis coordenadora do Museu do Inconsciente, o diretor do Instituto Nise da Silveira, o ponto de cultura Loucura Suburbana. E por fim: Reginaldo ou dependendo da ocasião e do dia pode ser nosso Rei Naná ou nossa Rainha Judith; o Pelézinho, cantor, compositor e rei das embaixadinhas; Rogerinha, cantora de rap e samba maravilhosa; Roque, intérprete incrível de Roberto Carlos e ator; Odacir, cantor de samba canção e de raiz; Gadu, o Grande Arquiteto do Universo, de uma cultura literária invejável, canta Chico e recita Vinícius. Rogerinho, o nosso passarinho beija-flor, de uma singeleza, delicadeza absoluta e encatadora; Jeane Cardoso, Rita, Ritinha, Enoque, Janice, Flávia, Patrícia Marinho, Wagner, Miriam das empadas, Jorge, entre tantos outros e outras que não caberia nesta lista de homens e mulheres doidos e doidas para viver e ganhar um espaço para expressar suas dores, sonhos e esperanças. Aqui nasceu uma nova visão de saúde mental e o museu do inconsciente. Agora é dado um outro passo importante rumo a uma base de formação e de práticas substanciais em arte e ciência.

Estou espantando com tudo isso. Vida que segue sob o ritmo alegre e aprendente do Ocupa Nise e do Congresso da UPAC.

Seguem dois poemas de um cliente do Nise da Silveira:

De uma triste enfermaria
eu vi nascer luz cor e alegria
De um lugar de pessoas presas em grilhões
eu escutei o clamor de muitos corações
e vi todos envoltos em paz e serenidade
e vi que valia a pena lutar por alguma verdade.

Luciano Soares Côrtes
OCUPA NISE - Hotel da Loucura
Rio, 20 de julho de 2012

E cada momento
eu viverei intensamente
o passado ficou marcado
este já não posso modificar

E cada momento presente
eu ficarei bem contente
com alegria
em cada amanhecer
pois viver é o que me apraz

Sempre bem viver um pouco a cada dia

Luciano Soares Côrtes
Rio, 16 de julho de 2012
OCUPA NISE - Hotel da Loucura

Por Jadiel Lima

Sem culto à culpa Ocupa Nise

Texto Sobre a experiência no II Congresso da Universidade Popular de Arte e Ciência. - do que vivi, do que aprendi e do que me contaram.

 
Durante 21 dias, e alguns mais, o Ocupa Nise reuniu artistas, cientistas, curadores, cidadãos e alguns bichos transeuntes – enfim, loucos para saudar a expressividade e a própria Loucura, homenageando e aprendendo com os ensinamentos de Spinoza, Nise da Silveira, Nelson Vaz, Amir Haddad e outras(os) educadoras(es) da cultura e da arte popular.

Internos em um plasma às vezes leve, às vezes denso, experimentamos o prazer de nos surpreender a cada momento, por cada momento de sensibilidade que nos embelezava. Neste clima, o hospital psiquiátrico Dom Pedro II – no bairro de Engenho de Dentro (pra fora), Rio de Janeiro – recebeu experiências e relatos vindos de todos os cantos, práticas corporais, plásticas, sonoras e espirituais, momentos de cuidado e de cura.

Não haveria como sair de lá intacto, sem toques, sem ranhuras, sem se cortar, sem provocações internas ou à flor dos tatos. Avisava Ray Lima: “Estamos mexendo em cacho de marimbondo”. Assim, as manifestações foram aparecendo, como um enxame ou a maré que vem enchendo até transbordar.

No começo de mansinho, alguns calados, alguns já com empolgação, os protagonistas do espetáculo-terapia-festa-novela começaram a contar quem são, de onde vieram, as marcas do cotidiano e de um outro mundo – mágico, surreal, que os rodeia e que se faz presente, mareando aquele local. São os atores-personagens principais sem nem estrelar numa megaprodução fantástica de Hollywood ou numa falsa realidade como a do Big Brother. Não precisam. Eles são as estrelas de suas próprias vidas. De suas luzes traduzem, como singelas e grandiosas oferendas, as poesias, composições, cantorias, danças, pinturas, o humor, o amor. Vão modificando suas caricaturas, desconstruindo e reconstruindo o espaço e as energias como artesãos. Grandes Arquitetos do Universo, Gadú! O imenso mar que nos apresentaram, esses mergulhadores, nadadores e pescadores geniais, mareia agora nossas vidas!

(Poeta, cantor e ator Gadú segurando a bandeira brasileira em cortejo pelas ruas de Engenho de Dentro - Rio de Janeiro. Foto: Júnio Santos)
Nós fomos pra chuva! E dançamos para ela, que nos banhou, amoleceu os recantos ainda rígidos do nosso corpo, da nossa mente; lavando a sujeira acumulada de anos: lixo orgânico, lixo industrial, lixo hospitalar, lixo nuclear, lixo visual, lixo sonoro, lixo intraorgânico, lixo mental – dos quais ainda não nos livramos, também porque é uma terapia, uma luta pra ser travada um dia após o outro.

A cura é árdua e às vezes dolorosa. Ficar abstinente do individualismo, das mentiras do conformismo me deixou com o ego, a alma e as carnes à mostra. Cada apelo por carinho e cuidado, cada palavra sincera, cada olhar vai nos perfurando, extraindo, gota por gota, o veneno que nos seca. Vamos religando nossa sensibilidade.

Agora olhamos as pessoas na rua e enxergamos todas as suas loucuras, no grau em que as mostram conscientemente ou não. Chegamos a uma malha onde não mais impera o objetivo fajuto, cerceado pelo subliminar malicioso e triste.

Desatamos nós por nós, até que nossa rede livre fez encontrar em nossa arte, em nosso teatro, em nossa vida, o objetivo e o subjetivo. E é tão bonito quando entendemos também a subjetividade, quando tornamos claras as nossas linguagens.

(O arte-cientista Vitor Pordeus e o poeta João Roque desatam nós em vivência no Hotel da Loucura)
Não precisamos mais estar certos. O campo que escolhemos adentrar, porque muito novo e inovador, é recheado de incertezas. A nossa clareza tem de ser livre da certeza cartesiana recriminadora, opressora, anti-diversificadora. No mundo certinho, é esta a certeza que domina: às vezes rígida como uma parede de aço; às vezes flexibilíssima, como quando se pode vender e comprar a verdade.

Ter clareza não é ter certeza. É a partir da incerteza, da dúvida, que construímos a coragem e o compromisso plenos, a disposição de lidar com a obscuridade e os devaneios. Precisamos então ter clareza do que queremos, do que compreendemos e do que ainda não, de quando entrar ou do que fazer quando entrar ou se não entrar em cena, das nossas escolhas.

Muito inquietante o que está se construindo, não? Mas não podemos nos aperrear. Como Vitor Pordeus me alerta: “Não é pra enlouquecer”, não pela ansiedade e pelo escândalo. Nosso grito não é grito de guerra. Não queiramos travar uma nova guerra. Muitos dos que estão afora esperam por isso, se preparando para vender mais armas no seu podre mercado.

Sem gritos, pra poder ouvir todo mundo e atrair quem se diz estar externo. Ou se gritarmos, que nosso grito seja como um murmúrio, um afago!:

“Escuta, escuta
O outro, a outra já vem
Escuta, acolhe
Cuidar do outro faz bem”.
(Ray Lima)


(Priscila lê um poema no Hotel da Loucura - II Congresso da UPAC-OCUPA NISE)
Por passar momentos tão intensos de transformação, de criação, de filosofia-ação, de místicas que não conhecia, não me sinto reabilitado. Pois a questão não é estar apto para se integrar novamente e ser aceitado no “mundo dos normais” – o mundo capitalista, que faz com que arregalemos nossos olhos para um cardápio de espantos, que desvenda os mistérios, a profundeza e os segredos das coisas, dos sentimentos, até nos tornarmos contempladores estáticos, consumidores manipulados e manipuladores, encarcerados e torturadores.

A terapia ocupacional que começa a se desenvolver não tem relação com a simples reabilitação. Ela dialoga com a construção de outro sentido para o mundo, ou mesmo outro universo: é a medicina/ciência/modo de vida que permitir que cada um descubra e transforme suas realidades, suas essências e se comunique, sem preconceitos, com as do outro. É a revolução que cada um se propõe a fazer em si e que constrói, a partir da expressividade dessa mudança, a revolução coletiva.

A luta que aqui se trava não se firma em enfrentar inimigos, não se contenta em buscar as culpas e as desculpas. “Desculpa cú”, como me diz uma amiga. A luta está em não haver culpa nenhuma e sim em que eu mesmo tenho um problema pra resolver, um compromisso para cumprir, caminhos inteiros a seguir, milhares de escolhas a fazer. E tudo isso em uma vida apenas. E uma vida que não acaba.

Que sejamos mais livres e que descubramos onde em nós essa liberdade ainda não foi conquistada, buscando aprendê-la logo em seguida. Que mergulhemos fundo no oceano que nos foi apresentado e no qual muitos já viviam. Que subamos um pouco à superfície, quando precisarmos respirar, olhar pro céu e mergulhemos de novo. Que estejamos dispostos, mesmo que nunca prontos, a receber, se comunicar e respeitar o outro, quem quer que seja, de maneira incondicional. Que sejamos incondicionalíssimos.

Gratidão a todos, por tudo!

“Nós podemos ir até onde nós quisermos” – Judith (entidade Naná, Rei Reginaldo e gerente do Hotel da Loucura).

(Dona Judith, Naná ou Reginaldo, nosso grande mestre da malangragem - II Congresso da UPAC-OCUPA NISE)
Algumas imagens do OCUPA NISE


II CONGRESSO DA UPAC - OCUPA NISE. O cantor Ney Matogrosso e o rei Naná que desde 1944 vive no hospital psiquiátrico Nise da Silveira. Foto de Júnio Santos.


OCUPA NISE - II CONGRESSO DA UPAC- Praça Ney Matogrosso - Hospital Psiquiátrico Nise da Silveira


Da esquerqda para a direita: o cantor e rei das embaixadinhas, Pelézinho; Dra. Vera Dantas, das Cirandas da Vida e das Cirandas de Arte, Aprendizagens Pesquisa e Cuidado; o artecientista, imunologista e pesquisador prof. Nelson Vaz; Ray Lima; e o pajé Amauri Gurgel. Pouco antes do Ato Cenopoético - Manifestação Livre Síntese do II Congresso da UPAC-OCUPA NISE
 
Lu Calheiros, Edu Viola e Vera Dantas na subida para o encerramento do Congresso Brasileiro de Medicina, Família e Comunidade com Ato Cenopoético - Manifestação Síntese do OCUPA NISE. Petrópolis-RJ
 
Da direita para a esquerda: o mestre do teatro de rua, dramaturgo e cenopoeta Júnio Santos; a atriz Gabriela Haviaras; o cenopoeta, músico e encenador Filippo Rodrigo; e o poeta-ator Milton Freire.
 
No centro com o pandeiro Jadiel Lima, à frente Vitor Pordeus e mais atrás Verinha Dantas e Ray Lima
 
Abertura do V ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO POPULAR E SAÚDE - CONCHA ACÚSTICA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO DE JANEIRO
Créditos:
Ray Lima e Jadiel Lima;
Fontes de pesquisa (textos, poesias e fotos):
jadielblogdele.blogspot.com.br
wwwcenopoesiadobrasil.blogspot.com.br

Em breve novos depoimentos do OCUPA NISE

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