Atualmente existe uma nova tendência liderada pelo Diretor e Ator Amir Haddad, de concepções em relação ao que fazemos nas ruas. Não só pelo fato de apresentarmos o teatro de rua, da forma tradicional, mas das relações com as quais estabelecemos com nosso público, exercendo o nosso dever de cidadão. Essa nova maneira de pensar sobre os trabalhos feitos pelos artistas das ruas está sendo denominada Artes Públicas de Rua.
Por Luiz C. Checchia
Jardeu Amorim - Escambo em Travessia, São Paulo - 2011 Foto: Filippo Rodrigo |
O mundo vive um intenso processo de grandes mudanças. E embora eu creia que elas sejam, ao final das contas, mais um agito barulhento do que o anúncio de radicais transformações, o abalo global provoca algumas pertinentes e profundas reflexões. E espero que estas provoquem tantas outras ações.
Uma das primeiras reflexões que surge no horizonte é: não é mais possível avançarmos como uma sociedade saudável se mantivermo-nos mergulhados no "atomismo" comum à lógica capitalista. O atomismo é essa tendência ao isolamento, ao individualismo, tão comum hoje em dia. Sei que muitos dirão: "como isolamento? Tenho tantos amigos, vou a tantos lugares, vejo e converso com tanta gente!". Sim, tudo isso costuma ser verdade, temos uma vida social bem agitada hoje em dia graças a uma economia mais estimulada, às redes sociais etc. Mas, por outro lado, "nunca antes na história deste país" a busca por problemas de cunho social tem encontrado soluções tão individuais! Vejamos alguns: não temos um transporte público de qualidade? Ora, que cada um compre seu carro, tá tão fácil!; não há serviço público digno? ora o remédio é comprar um plano de saúde; faltam vagas nas universidades públicas? Que pague uma particular quem puder... E por aí vai. Devem ter percebido, pelo exposto, que quanto mais as soluções se individualizam, tanto mais elas implicam "eu posso tudo o que quiser, desde que possa pagar por isso."
Enfim, impera entre nós algo como "estamos juntos, mas se a coisa apertar, é um cada um por si amigável, ok?"
Creio que é nesse ponto que a questão da arte pública encontra com sua mais profunda e necessária demanda. Se desde o governo Lula temos avançado muito nas questões econômicas, permitindo que uma descomunal multidão de empobrecidos pudesse, pela primeira vez, tornar-se consumidores, é preciso que tais pessoas também tornem-se cidadãos. E não apenas na acepção burguesa do termo, mas numa interpretação plena, progressista, de radicalização democrática. Cidadania significa a convivência com o contrário, com o diferente, a crítica e a autocrítica construtiva, o exercício da colaboração e da solidariedade.
E para isso é preciso a reelaboração simbólica constante, em outras palavras, significa rever, revisitar e ressignificar valores, crenças, práticas. Significa promover a arte do encontro civil, e não somente público. As pessoas, nós todos, necessitamos compartilhar experiências estéticas/éticas (pois estética e ética são indissociáveis) que nos provoque reflexões, risos, apreensões, interpretações. E precisamos que isso seja feito no coletivo, para que possamos olhar os estranhos ao lado, e o mundo que nos cerca, com novos olhos. Que possamos, ao fim da experiência estética/ética perceber as relações com novas e revigoradas inquietações.
E tais práticas precisam ser constantes, cotidianas. E não podem ocorrer no âmbito da mercadoria. Por que toda e qualquer mercadoria, além do valor de uso, implica também um valor de troca, e as trocas são realizadas sempre, e sempre serão, tendo como referência o "poder" de troca de cada pessoa. Ou seja, o "quanto você pode pagar" pelo que quer levar. Mas se formos divididos, logo de cara, por "poderes de compra", como a experiência estética poderá promover a arte do encontro entre as pessoas que compõe a sociedade? Que reelaboração estética poderá promover, senão a reprodução das idéias já estabelecidas e aceitas por quem pode pagar? Afinal, se preciso do dinheiro de quem paga, não seria prudente dizer que o ele não quer ouvir...
Assim, apenas a realização da arte pública pode assegurar a construção de uma nova sociedade. Somente por meio da elaboração e a reelaboração não "mercadologizada" dos signos e símbolos de nossa cultura, podemos nos transformar de consumidores em cidadãos plenos. Por isso, defender a arte pública, em detrimento da arte mercadoria, é dar condições para que o ser humano torne-se, cada vez mais, humano.
Referências bibliográficas:
modernidade Líquida, Zygmunt Bauman
Educação e Reflexão, Pierre Furter
Fonte: www.ciateatrodosventos.blogspot.com
Postado por Jardeu Amorim
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