Escambo de Fortaleza 2010 - Ato: Artistas nas ruas da cidade em direção a secretaria de cultura |
Somos todos trabalhadores da arte, e isso não é um emprego! É um trabalho que fazemos com imenso prazer, expor nossas vocações e esquecer um pouco as mazelas que são impostas e afligem o viver bem.
Faça do seu emprego o seu trabalho!!!
Reflita:
“Trabalho não é emprego
(Dudu Pererê, poeta)
Trabalhador
é artista: a criação de sentido no trabalho
Por Por: Alice Paiva – Mestre em
psicologia, terapeuta reichiana e poeta. ally_paiva@yahoo.com.br
Imagine a situação: Você reclama
do mal atendimento e o garçom diz que não tem o que fazer pois não nasceu para
esta profissão. Sua vocação, na verdade, é ser artista. Você aceitaria esta
justificativa?
Toda profissão tem a sua parte
chata: a tarefa. Pode ser mais fácil imaginar uma pessoa se realizando
profissionalmente como ator, músico ou poeta, por exemplo, que como garçom. No
entanto, há pessoas satisfeitas em praticamente todas as profissões. O que há
em comum entre elas é que são capazes de dar sentido para o trabalho.
Assim como o poeta coloca algo de
si em seus versos e através deles cria um sentido, dar sentido ao trabalho
também é um processo de criação. Embora
a atividade do poeta possa parecer menos desgastante que a do garçom, a
inspiração é apenas 10% do poema. O resto é transpiração. Toda criação dá
trabalho e todo trabalhador é criador. Quem disse que não é possível servir
mesas com poesia?
Mesmo que sejam repetitivas as
tarefas inerentes a qualquer trabalho, frequentemente é possível encontrar
soluções criativas para o peso da rotina.
Nos sentimos bem quando conseguimos nos expressar através do trabalho e
colocar um pouco de nós mesmos no mundo. Sofremos quando nos sentimos inúteis,
quando não somos capazes de imprimir nossa marca na atividade profissional. Por
exemplo, o excesso de burocracias e procedimentos ao qual deve se submeter um
operador de telemarketing dificilmente lhe dá espaço para, de fato, resolver o
problema da pessoa que precisa. Isso é muito frustrante e gera adoecimento.
Roman Krznaric, escritor do livro
“Como encontrar o trabalho da sua vida. A pandemia de insatisfação nas
empresas” afirma:
“Um estudo em vários países
europeus demonstrou que 60% dos trabalhadores escolheriam uma carreira
diferente se tivessem a opção de começar de novo”, aponta. “Nos Estados Unidos,
a satisfação no trabalho está em seu menor nível – 45% – desde que essas
estatísticas começaram a ser compiladas duas décadas atrás.” (retirado da
Revista TPM do mês de Abril)
Diante de estatísticas como esta,
há quem imagine que só uma vida de ócio pode ser realmente saudável. Porém, as pessoas ociosas caem rapidamente no
tédio e na sensação de falta de sentido, o que termina por gerar ainda mais
adoecimento. Como afirma o Dr. Deepack Chopra no livro “Conexão Saúde”:
“Seu corpo sofre a mesma atrofia
que a natureza reserva aos seres que se tornam inúteis. O que é inútil morre
logo. A natureza, inclusive a natureza interior do ser humano, não tem lugar
para inutilidade. Ela só promove a saúde daquilo que contribui para o
crescimento e o progresso.”
O emprego não é o trabalho. Podem
até haver empregos relativamente inúteis, mas o trabalho tem uma função
psicológica e social. “A função psicológica do trabalho” é o título do livro do
psicólogo francês Yves Clot, segundo o qual a atividade humana é fonte de uma
espontaneidade indestrutível. Muitas vezes o desgaste do trabalhador não ocorre
devido a um excesso de carga de trabalho, mas sim devido ao esforço de ter que
impedir a própria iniciativa. Trata-se de possibilidades não vividas, “daquilo
que não se pode fazer no âmbito do que se faz.”, afirma Clot. Pode parecer
paradoxal, mas nessa ótica, é muito cansativo estar num emprego em que se tem
pouca coisa para fazer.
A perspectiva reichiana também vê
uma função no trabalho, que se assemelha à “Função do Orgasmo”, importante
livro do autor. Segundo Wilhelm Reich, um dos resultados da terapia é o
despertar do interesse pelo trabalho, em sintonia com a emergência da potencia
orgástica. Ou seja, à medida que o paciente descobre a satisfação na vida
sexual ele também renova a excitação com o trabalho. Mas também há casos em que
a pessoa se dá conta de que seu emprego é excessivamente mecânico e
desinteressante, de modo que a única solução seria buscar outra atividade
profissional.
De fato, o relacionamento laboral
pode ter muitas semelhança com o amoroso.
Há situações em que evitamos dar o máximo de nós mesmos pois tememos
sermos explorados pelo outro (chefe ou cônjuge). Demonstrar muito interesse e
mostrar serviço pode ser perigoso, sempre pode ter alguém “querendo se dar bem”
em cima da nossa boa vontade. Deste modo, muita gente acaba ficando na
retranca, com medo de se engajar tanto no amor como no trabalho.
O sentido no trabalho é
socialmente compartilhado. Muitas vezes,
é preciso negociar, mudar regras e procedimentos, lutar por direitos
trabalhistas e etc., para que seja possível fazer do trabalho uma função vital.
Neste embate, é preciso buscar parceiros que estejam dispostos a transformar a
situação e não culpados que justifiquem a nossa própria imobilidade. Há quem
queira justificar um trabalho mal feito com base em questões pessoais, culpando
os colegas de trabalho, o chefe… No entanto, devemos exigir de nós enquanto
profissionais o mesmo que exigimos de qualquer garçom em um restaurante.
Será que precisamos passar a vida
trabalhando e amando sem plenitude, medindo a intensidade de nosso empenho, em
razão do medo de frustração ou de não termos as expectativas correspondidas?
Este tipo de contabilidade, típica do sistema capitalista no qual estamos
inseridos, apenas nos limita e empobrece. Serviço não é sinônimo de submissão,
assim como entregar-se no amor também não é. Pelo contrário, é preciso dar
valor ao trabalho em si mesmo, para além do preço que possam lhe estipular. Para
tal, é necessário estarmos seguros do poder criador na nossa atividade, o que
não é possível fazermos se tentamos nos poupar do esforço. Uma vez conscientes
deste valor, podemos escolher onde melhor empregar nossa força criativa
laboral.
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