O porque optamos pela rua



Eu tinha a idéia de que o povo não sabe se comportar diante dos espetáculos: é grosseiro, insolente e atrevido. Na escola de arte Dramática me ensinaram que o teatro só devia ser feito nas melhores condições.


Melhores condições: as elegantes e perfumadas salas onde o patrão é o que está sentado na platéia e o empregado gracioso é subalterno é o que está no palco. Fomos enganados na escola de arte dramática! Nunca vi um público com tanta imaginação, reconhecendo o ator perdido no tempo. Agora a dois metros de distância. O ator impressionado com esse público do qual havia se separado, crendo que sua missão era tal como haviam dito: trabalhar para reis e cortes; doutores e reitores; para presidentes e senadores, intelectuais e críticos...

E segui saindo, toda a tarde, à praça, acompanhado desse público que cada vez soma cem, mil... O ator tão perto do espectador que é possível ver as gotas de suor quando transpira: a dois metros de seus olhos. Isto cria uma atmosfera especial, tanto para o ator como para o público. Esse vínculo não é possível nem no cinema, nem no teatro clássico. Só na rua!

O ator representa e o público deposita sua moeda, voluntariamente, numa caixinha que vai passando de mão em mão... Assim o teatro ambulante se acerca desse grande público. E não o chama por cartazes, anúncios em jornais. Sai a seu encontro. Aborda-o nas esquinas, nas praças, nas ruas, nos bairros, nas salas de aula. Chegam como velhos amigos se reconhecem e se identificam.

Um teatro que não fica esperando público em salas de luxo e perfumadas e que sem suas subvenções, seus custosos aparelhos publicitários e complicadas organizações burocráticas, chega até as massas populares.

... Escapa à compreensão de críticos e intelectuais oficiais que se fazem chamar de condutores da cultura e da arte... São doutores nomeados a dedo que não sabem cantar, bailar, tecer, amassar argila ou soar qualquer instrumento, mas engordam explorando artistas e artesãos. E ordenam repressão contra os atores rebeldes que vão percorrendo aldeias, bairros e vilas desde os tempos remotos...

Os inimigos do teatro de rua são o cachorro, o bêbado, o vento, o barulho, o sol muito forte e a chuva... Adotei cenas pequenas, curtas para pegar o público que passa, o público que sai e o que chega... Na rua sobre público e falta atores. Não trocaria o teatro de rua por todo ouro do mundo. Trabalhei muitos anos para os públicos seletos: por isso não quero fazê-lo mais. Agora sou um camelô, um jornaleiro, um engraxate..."


(Jorge Acuña Paredes – Mímico do teatro da Praça São Martin – Lima, Peru)

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